terça-feira, 30 de abril de 2013

A Confraria dos Coroas

 Era uma casa antiga, azul, na esquina. Ali era a sede de uma confraria de velhos pinguços, viciados em jogos de azar, bilhar, futebol, feijoada e samba da antiga. Era conhecida como a Confraria dos Coroas. Boa parte dos velhos do bairro, aqueles já muito velhos pra erguerem suas bandeiras ao topo do mastro, mas não tão velhos a ponto de ficarem vegetando em uma cadeira de balanço, frequentavam o lugar. A entrada daquele lugar era, para eles, como um portal para tempos em que ainda eram jovens. Um tempo onde o rádio ainda era o senhor das novidades.

 O presidente da confraria era o senhor Prachedes, um velho obeso, parcialmete calvo, com um bigode de leão marinho no meio da cara, que parecia pintada com uma tinta irremovível na cor mau-humor eterno. Vivia de calça branca, sapato bicolor e camisas extravagantemente estampadas, daquelas que mais parecem papel de presente do que roupa. O Prachedes era um bom homem, e, ao contrário do que parecia, era muito bem humorado, embora sua cara de quem responde a um bom dia com um soco na cara afastasse as pessoas num primeiro julgamento. Era muito amigo de Teófilo, o responsável pelas feijoadas e pelo samba. Teófilo, conhecido como Tetê, era um tipo de velho putão que ainda acreditava que era o maior comedor do bairro. Magrelo, alto, e com mais cordões de prata do que vendedor do mercado livre, o velho Tetê fedia a perfume patchouli, tinha fala mansa e ainda andava cheio de estilo, embora as comparações com Zé Bonitinho fossem inevitáveis. Tinha também o Valdir, que era um coroa viciado em fumar maconha, cachimbo, e cigarro de alecrim. O Xavier era o cara mais feliz daquele lugar, já que era fodão no pôquer e na sueca, e de tanto ganhar dinheiro dos outros velhos nesses jogos, comprou uma casa em Miami.

 Em dia de jogo, o cara mais chato era o Tonico, um botafoguense que falava mais do Garrincha do que pastor fala de fé. Tonico era uma dessas viúvas do futebol bonito. Falava alto, com sua voz de pato rouco, e vivia bêbado. Tomava muita cachaça enquanto chupava tangerina, e o pobre diabo sempre tinha uma tangerina na mão. Tonico gostava muito de encher o saco do Afonso, um coroa que tinha perdido uma das pernas numa tentativa mal sucedida de suicídio. Afonso, apelidado de Deixa Que Eu Chuto, havia se jogado do prédio quando soube que sua esposa Zulmira, a Zuzu boca de veludo, era prostituta. Além de corno, perneta e suicída fracassado, Afonso era veterano da segunda guerra, torcia pro América, tinha uma filha vadia igual a mãe, era epilético e parecia com o Tim Maia. Afonso era um fodido de merda. Seu grande amigo era o Ruy, que tinha sido da Marinha, era cego de um olho, tinha dinheiro pra cacete, era dono de imobiliária e ficava o dia todo fumando charuto e ouvindo rádio.

 E todo sábado era dia de roda de samba e da feijoada do Teófilo, quando o Laurindo gogó de ouro dava um tostão de sua voz antiga no salão da confraria.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

As eleições de Jotuporanga do Norte

 Época de eleição é uma merda. Sempre tem um filho da puta querendo se passar bom bonzinho pra arrumar um cargo público, um babaca vendendo voto, uma cacetada de gente jogando santinho no chão, showmício com um ou outro artista escroto que não toca nem em rádio pirata, promessas bizarras, entre outros esculachos. E na cidadezinha de Jotuporanga do Norte, não é diferente. Localizada entre o cú do mundo, Belford Roxo e a Suazilândia, Jotu, como é carinhosamente conhecida a cidade, se transforma em um inferno em época de eleição. O atual prefeito, Júlio Pedrinha, tenta a releição. Dizem que conseguiu ser eleito após comprar votos com pedras de crack, sacos de biscoitos de polvilho e discos do Roberto Carlos.

 Aqui a eleição é feita pelo peculiar método de marcar um X ao lado da foto do candidato, uma vez que o analfabetismo atinge 132,7% da população. Os principais concorrentes de Júlio Pedrinha, atual prefeito, são Chiquinho Aleluia, um pastor evangélico que cura pessoas de doenças que elas ainda não contraíram; Tia Rose do Sacolé, uma coroa que vende sacolé feito com água do valão para as crianças da cidade; Tuninho Paulista, técnico do time de futebol da cidade, o Marrecos Reais de Jotuporanga; e por último, mas não menos importante, Maninho Maia, também conhecido como Maninho Pé de Cana, bicheiro e também o primeiro cidadão Jotuporanguense a fazer transplante de fígado.

 É esperada uma briga acirrada pelo cargo de prefeito, e especialistas apontam que a eleição só vá ser decidida no décimo quarto turno. Chiquinho Aleluia é um dos favoritos, tendo um bom número de votos, provenientes dos fiéis de sua igreja, a Igreja Cristã do Milagre Pré-pago. Tia Rose do Sacolé é vista como tendo poucas chances, já que criança não vota, e qualquer débil mental com mais de treze anos não daria um voto sequer pra alguém que vende sacolé com cheiro de perna com elefantíase. Tuninho Paulista corre por fora, e acredita que pode ter um bom desempenho nas urnas:

 - É, com certeza quem sabe aí, graças a Deus nós consegue uns três pontos nessa reta final, e fica mais próximo da zona de classificação na tabela da votação. A gente sabe que os adversários tem tradição, mas somos uma boa equipe e vamos aí, quem sabe, com certeza, conseguir graças a Deus essa mamata aí na Prefeitura.

 Mas talvez o principal concorrente de Júlio Pedrinha seja mesmo o Maninho Maia, o Maninho Pé de Cana. Maninho é um sujeito querido pelos cidadãos. Sujeito ilustre, ribombante, injuriado. Maninho já fez muita gente feliz nessa porra de cidade, seja premiando jogadores que apostaram na cabra e acertaram o velociraptor na cabeça, ou protagonizando cenas esdrúxulas enquanto bêbado, como da vez em que se fantasiou de coruja e saiu gritando que era o Superman, pulando em um pogo-ball ao redor da praça da cidade enquanto fazia malabarismo com meia dúzia de beterrabas.

 Amanhã, é o dia da votação, que começa bem cedinho. Todo o povo de Jotuporanga do Norte vai se reunir na praça, pra eleger seu prefeito. Vai ter festa, bolo de fubá e guaraná Dolly, pra todo mundo!

terça-feira, 9 de abril de 2013

Abelardo, o homem da mídia

 Abelardo... ah, Abelardo. Eis um sujeito incomum. Vivia vendo televisão, e, diferente da maioria, o que mais lhe interessava eram os comerciais. Ficava fascinado com as campanhas publicitárias, principalmente com slogans e frases marcantes. Tão fascinado, que essa porra afetou o cérebro doentio do coitado do Abelardo. Conforme o tempo passou, o sujeito parecia o fruto de uma relação sexual entre uma maritaca, o Google e um catálogo de publicidade. Abelardo havia se tornado uma pessoa bizarra.

 Desenvolveu uma mania peculiar: usava slogans e frases marcantes de comerciais no seu dia a dia, em todo tipo de conversa. E claro, isso o tornou uma figura bem zoada. Perdeu uma mulher por causa dessa babaquice. Tinham acabado de transar, e ela disse:

 - Uau, essa foi foda! O que você achou, Abê?

 - Amo muito tudo isso! - respondeu o pobre infeliz, enquanto usava os dedos para desenhar no ar o símbolo da rede de fast food.

 Perdeu um emprego na farmácia, depois que um cliente estressadinho achou que Abelardo estava sendo debochado com ele.

 - Ei amigo, você sabe se aqui tem aquele remédio pra impotência? - perguntou o cliente.

 - Ah - respondeu Abelardo, fazendo sotaque de gente do campo. - Sei disso não. Melhor o senhor perguntar lá no posto Ipiranga.

 - Como é? Tá de sacanagem comigo, rapaz? Você sabe do que eu tô falando, eu quero uma caixa de Viagra!

 - Prontinho, senhor, prontinho. Tá aqui o seu Viagra. Desperta o tigre em você! - disse o problemático rapaz influenciado pela mídia, antes de ser agredido pelo cliente furioso.

 Certa vez, foi dispensado em uma entrevista de emprego, quando tentava vaga em uma multinacional. Quando perguntado sobre qual era sua expectativa a curto prazo, respondeu com a mesma entonação do locutor:

 - Great times are coming!

 Depois, acabou por perder a vida, pobre coitado, o idiota do Abelardo. Se envolveu em uma briga de bar, dessas em que antes de sair na porrada, o sujeito perde a dignidade, canta Molejo enquanto samba em cima da cadeira, chama garçom de meu amor, dá ideia na tia bêbada que pede música do Roberto Carlos pro cara da música ao vivo, quebra copo na própria cabeça, chama traveco de gostosa, entre outras coisas caóticas. Enquanto voltava do banheiro, já meio na merda devido a toda a cerveja que havia consumido, Abelardo tropeçou em seus próprios pés, e não contente, derrubou o garçom, que por sua vez, derrubou altas tulipas cheias de chopp em cima de um casal que estava sentado em uma mesa. O sujeito, todo molhado, já estressado, e querendo fazer pose de Anderson Silva, se levantou furioso. Deu um soco no garçom, que nada tinha a ver com a cagada de Abelardo. Jogou a cadeira pro lado, e acabou por derrubar o vendedor de amendoin que passava por ali. Chegou até Abelardo, e o puxou pela gola da camisa, até que o bebum ficasse de pé. Gritando, mostrou todo seu emputecimento:

 - Tu é maluco? Me diz, tu é maluco ou idiota? Porra, meu irmão! Tô trabalhando desde cedo, dei um duro do cacete na empresa, aí agora pego a minha mina pra descontrair, tomar uma cerveja aqui na moral, e vem um filho da puta e faz uma merda dessa? Qual é o teu problema?

 Abelardo, ainda eatava muito bêbado, e mais escroto que o comercial do Classe A. Aquele mesmo, do Ah lelek.... Respondeu, meio que sorrindo:

 - Deu duro? Tome um Dreher!

O sujeito prontamente socou a cara de Abelardo. Não uma, duas, ou três vezes. Foram dezessete socos e meio. Abelardo estava caído no chão, pobre pudim de cana. Foi quando covardemente, seu agressor sacou uma arma e a apontou para o injuriado bebum.

 - Eu podia te matar agora, ouviu? Agora! - disse o sujeito, puto da vida, com a arma em punho.

 - Claro que ouvi - respondeu Abelardo. - Minha audição é muito boa! Eu pude ouvir a agulha caindo do outro lado da sala!

 Nesse momento o cara perdeu a paciência e encheu o pobre do Abelardo de pipoco. Era tanto tiro, que nem que Abelardo tivesse a força gostosa do solzinho, ele sobreviveria. Antes de morrer, lembrou do que dizia sua avó, quando ele ainda era um garoto:

 - Sai da frente dessa televisão, menino! Isso ainda vai te fazer mal algum dia!

Telma, a anã incendiária

 Dizem que os melhores perfumes estão nos menores frascos. Se for verdade, Telma é o combustível mais inflamável de todos, dado o seu não-tamanho e seu problema com labaredas. Medindo pouco mais do que um Yorkshire, e pouco menos do que a canela do Michael Jordan, Telma era o demônio em miniatura.

 Era o minicraque do capeta, em pessoa.

 Vestindo uma camisa branca com o desenho do Charmander, tamanho P, que nela mais parecia um vestido longo, Telma tocava o terror, e de vez em quando, tocava gaita de fole também. Dizem que essa mania de atear fogo nas coisas aleatoriamente, é fruto de um relacionamento que não deu certo. Segundo dizem, Telma namorava um bombeiro chamado Carlinhos, que media dois metros e quinze. Certo dia, Carlinhos decidiu terminar o namoro, alegando que amava mais o trabalho do que qualquer outra coisa, e que não poderia mais ficar com Telma. Então, desesperada, Telma teria ateado fogo em Carlinhos, no prédio onde morava, no bairro dele, e até num pôster do Justin Bieber que ele guardava no quarto.

 Telma tem duas passagens pela polícia, mas curiosamente, nenhuma delas tem qualquer relação com sua mania de gratinar as coisas. A primeira vez, foi por dirigir seu velotrol em alta velocidade, em meio a uma via expressa. A segunda, foi por assalto a mão armada. Segundo testemunhas, Telma teria invadido uma casa lotérica, montada num pula-pula do Gugu, armada com uma faca Ginsu em cada mão.

 Está sendo detida neste momento. Foi pega em flagrante, tentando furtar itens de uma sexshop. Quando foi flagrada, tentou incendiar o lugar, usando um isqueiro e um desodorante aerosol. De fato iniciou um incêndio, mas a polícia chegou a tempo e a prendeu, em meio a restos de bonecas infláveis com rostos de cantoras pop e cacetes de borracaha derretidos. Mais do que uma incendiária maluca, ela tinha o mesmo problema do Charmander de sua camisa: Telma tinha fogo no rabo.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Arnold, o operador de telemarketing

 - Bom dia vírgula senhora ponto o que deseja ponto de interrogação

 - Como é? Meu filho, aí é da operadora de celular?

 - É sim vírgula senhora ponto final

 - E qual o seu nome, rapaz?

 - Me chamo Arnold vírgula senhora ponto final

 - Arnold Vírgula ? Que diabo de nome é esse?

 - Apenas Arnold vírgula minha senhora ponto final

 - Meu nome não é senhora ponto final! Eu me chamo Lucinda! Escuta meu rapaz, eu tô ligando pra vocês pra pedir o cancelamento da minha linha. Tô cansada de problema com essa operadora, não aguento mais! Eu já liguei trocentas vezes e vocês não resolvem o meu problema!

 - Aguarde um pouco vírgula senhora ponto final

 - Arnold! Eu já lhe disse que meu nome é Lucinda, então não me chame de senhora ponto final! Que ideia maluca. Esses jovens de hoje em dia...

 - Senhora vírgula acabo de checar em meus sistemas e não consta qualquer problema com sua conta vírgula e nenhuma reclamação ponto Deseja mesmo estar cancelando sua linha vírgula senhora ponto de interrogação

 - Garoto, eu já disse que meu nome é Lucinda! LU-CIN-DA! E é impossível que não tenha registro de reclamação minha, é impossível! Pode ir fazendo o favor de checar outra vez!

 - Sim senhora vírgula me dê uns minutos ponto Vou estar checando novamente ponto final I will be back ponto de exclamação

 - Ai, que coisa, esse rapaz fala de modo esquisito! Parece uma secretária eletrônica com vício de gerundismo!

 - Pronto vírgula senhora ponto final Estive checando os registros novamente e o resultado foi o mesmo ponto Temo que a senhora não tenha motivo para reclamar de nossos serviços ponto final

 - Como é que é??? Arnold, cancela essa porra dessa linha A-GO-RA! Chega, cansei dessa merda, não quero mais nada com essa operadora desgraçada! Ora essa, dizer que não tem reclamação no registro e que não tem problema algum... Agora eu sou mentirosa? Caluniadora? É??? É isso Arnold?

 - Não consta em nossos registros qualquer tipo de reclamação sobre seu caráter vírgula senhora ponto final

 - PORRA ARNOLD! Fala direito, cacete! Parece aquele Simon do Windows! Chega! Foda-se essa merda, bom dia Arnold, bom serviço! Passar bem!

 - Hasta la vista vírgula senhora ponto final

Entre a Razão e a Maluquice

 Arlindo era um trabalhador comum, com uma vida comum, uma casa comum, e um casamento nem tão comum assim. Trabalhava feito um filho de puta, numa transportadora de móveis. Tinha vencido um infarto, um câncer no fígado e um torneio de sinuca no bar da esquina. Arlindo era um cara sofrido. Amava sua mulher, incondicionalmente. Ela era seu porto seguro, seu motivo de continuar. Carregar todo aquele peso, se estressar no trânsito, aturar cliente chato, trabalhar debaixo do sol... nada disso importava. Quando chegava em casa, e via sua esposa, Arlindo sempre abria um sorriso, como se ganhasse uma recompensa. Sua mulher era um tanto instável. Gostava dele, mas nem sempre o tratava como se de fato gostasse. Apesar de adorar Arlindo, Eugênia era uma pessoa muito instável. Havia dias em que ela tratava o marido como um lorde. E dias em que o fazia de esparro. Pisava mais no pobre coitado do que aqueles garotos asiáticos que jogam Dance Dance Revolution pisam naquele controle em forma de tapete. Mas Arlindo a amava. Mesmo não sendo fácil, ele superava. Era um sujeito calmo, tranquilo. Ao menos tentava ser.

 Certo dia, foi ao banco, logo pela manhã. Iria pegar seu pagamento, pagar umas contas, e na volta pra casa, compraria o pão e o jornal. Chegando ao banco, se deparou com uma fila enorme. Mas isso não incomodava o pobre Arlindo. Foi então que o sujeito que estava logo a sua frente na fila, comentou algo com ele, sobre como essa vida era uma merda. Contou a Arlindo que havia se aposentado por invalidez aos vinte e dois anos de idade. Puxava a perna, sequela de um acidente de trabalho. Casou com uma mulher que o largou três anos depois, com um filho pequeno pra criar sozinho. Havia sofrido um derrame, e por consequência, perdeu a visão de um dos olhos. Fazia piada de sua própria desgraça, referindo a si mesmo como o cú cagado da humanidade. Perguntou a Arlindo sobre sua vida, e se ele tinha uma vida boa.

 - Tenho um emprego, que não é dos melhores, mas não tenho do que reclamar. Sou casado com a melhor mulher do mundo, e mesmo nos dias em que ela me trata como merda, sou feliz. Ela é tudo o que tenho nessa vida, e tudo o que vale a pena se ter.

 O homem ouviu o que Arlindo dizia, e fazia cara de espanto. Arlindo parecia um homem realmente feliz. Parecia ser daqueles caras calejados de porrada da vida, mas que ainda encontrava motivo pra sorrir, seja lá em que circunstância.

 - Porra, você é um cara de sorte - disse o homem. - Mas me explica uma coisa, que papo é esse de que tua mulher te trata como merda em alguns dias? É aquela porra de TPM?

 - Não - respondeu Arlindo. - não é TPM. Minha esposa é bipolar, eu acho. Em um dia, ela me trata tão bem, que parece que eu sou a pessoa mais importante do mundo. No outro, me trata mal, é grossa, faz pouco de mim, me despreza... mas eu a amo. Sabe, não é fácil, eu admito. Mas vale a pena.

 O homem franziu a testa, olhou para Arlindo com seu único olho funcional. Balbuciou algo em tom baixo.

 - Eu não aguentaria essa porra, cara. Não mesmo. Mulher maluca essa sua, com todo o respeito. Pelo que parece, tu é um cara do bem, bom sujeito. Não merece ser escravo do humor dela. Pensa bem, será que ela é bipolar mesmo, ou é só piroca das ideias? Tem muito disso por aí, cara.

 - Você não entende - retrucou Arlindo. - eu a amo.

 O homem abriu um sorriso, e disse a Arlindo:

 - Eu não sei se você é maluco, ou se eu sou.

 Arlindo se calou por três segundos. A fila andou um pouco mais. Pensou na mulher, no dia a dia. Pensou no trabalho, e em todo o resto. Só então tornou a responder ao homem.

 - De fato, você está um tanto quanto certo. Eu sou um psicólogo formado. Estudei fora do país. Conheci a Eugênia quando ela veio se consultar comigo. Logo me apaixonei por aquela mulher. Sabia que ela tinha um problema, mas era apenas um problema. E eu decidi que se não pudesse ajudar a mulher que amo, não poderia ajudar a mais ninguém. Abandonei o consultório e a vida de psicólogo. Passei a ter um emprego comum, uma vida comum. Casei com a Eugênia. Sou feliz com ela, e faço o melhor que posso a cada dia, para que ela seja feliz também. Talvez, o louco seja eu, que conscientemente, fiz essas escolhas.

 O homem pôs uma das mãos no ombro de Arlindo, e disse:

 - É, meu amigo. E eu aqui, reclamando, e dizendo que a minha vida era uma merda...

domingo, 7 de abril de 2013

Ferdinando, o mimizento


 - Ferdinando! Acorda! Ferdinando, se você não levantar dessa cama agora, você vai se ver comigo!

 Ferdinando abria os olhos, ainda cheios de remela, e se revirava na cama... ouvia a voz histérica de sua mãe. Todo dia, era a mesma coisa, e Ferdinando já tinha quase vinte anos. Sua mãe o acordava todas as manhãs, para que ele não perdesse o horário da faculdade. Trazia seu Toddynho gelado numa bandeja, junto com torradas, queijo branco e geléia de framboesa. Ferdinando era o menininho da mamãe. E talvez por isso, fosse tão mimizento, ranheta, mimado e escroto. Ferdinando parecia tentar ser mais marrento do que o Romário. Acreditava ser um tipo de lorde, ou fodão qualquer, como esses pederastas mimados que viravam reis depois das mortes de seus decadentes pais. Tratava a mãe como escrava, só enquanto não precisasse de algo, como dinheiro pra sustentar seus vícios em Yakult com cogumelo indiano, ou Pó de azulejo com talquinho da Xuxa. Ferdinando era, como diria Gil Brother, um garotinho juvenil criado a leite com pêra.

- Tô saindo da cama já mãe... - gritou Ferdinando, enquanto bocejava feito um hipopótamo hipocondríaco com hipertrofia. - que saco, odeio essa vida de ter que acordar cedo. Esses caras deviam me pagar pra eu ir assistir aula deles a essa hora. Que merda...

 Ainda meio lerdo, todo zoado, Ferdinando se levantou da cama, e se jogou no chuveiro de sua suíte. Era tão playba, que a porra do chuveiro respondia por comando de voz. Escovou os dentes ainda no banho, e saiu de lá todo molhado, pingando a porra do quarto todo. Vestiu uma camisa qualquer, dessas da Abercrombie que parecem ser todas iguais, uma calça jeans rasgada no joelho, que ele usava pra posar de rebelde com a galera dele, e seu tênis da Lacoste. Desceu, sem nem comer... mas carregou seu Toddynho gelado. Sua mãe o esperava na sala, como as mães fazem com crianças que estão no Jardim 2, e só faltou lhe entregar uma merendeira do Ben 10. Pediu cinquenta pratas pra mãe, pra comer na faculdade. Sua mãe lhe deu cem, dizendo que ele deveria comer diretinho. Ferdinando saiu de casa, e botou sua cara de menino mau no rosto. Tentava a todo custo parecer o bad boy que nunca foi. Pegou o carro que seu pai lhe deu no aniversário, um desses carros tão fodas que você jura que é um Transformer. Mas como dirigia mal, o tal Ferdinando. E no trânsito, além de fazer um monte de merda, ainda se achava no direito de gritar com os outros, ficava ofendendo todo mundo, trollava vendedor de bala... um perfeito HUE. Fazia isso pra se sentir fodão, como se isso fosse atitude de homem...

 Em meio a um puta engarrafamento neurótico, que deixaria até o Comandante Hamilton mais perdido do que filho da puta em dia dos pais, Ferdinando começou a se estressar. Enquanto ouvia sua banda preferida de pseudo-metal, e tomava seu Toddynho, agora já não mais gelado, apetava a buzina como se não houvesse amanhã. Ferdinando era desses que você vê por aí todo dia na rua, que parecem acreditar que quando se aperta a buzina, o carro da frente magicamente levanta voo, abrindo passagem. Foi aí que, pelo retrovisor, viu um motoboy tentar passar por entre o corredor, e porrar a moto na traseira de seu carro. Sim, na bunda do seu Transformer. Ferdinando ficou putinho. Abriu a janela do carro, jogou seu Toddynho no chão. Fez cara de Double Dragon, e foi tirar satisfação com o motoboy, que tava caído, todo fudido.

 - Ô seu filho da puta, não tá vendo meu carro? Seu merda, seu bostinha, seu assalariado de merda! Tu vai ter que dar o cú que nem xoxota pra pagar essa porra que tu fez no meu carro!

 O motoboy, ainda cheio de dor, todo se fudendo, se levantou. Tirou o capacete, olhou na cara de Ferdinando. Olhou com cara de quem ia descontar todo seu ódio por trabalhar de sol a sol por meia quentinha requentada. Pegou Ferdinando pelos ombros e o jogou em cima do vidro traseiro de seu carro. Naquela hora, Ferdinando perdeu seu semblante de Double Dragon, perdeu a dignidade, e o vidro traseiro do carro. O motoboy apontou o dedo na cara do moleque metido a Chuck Norris, e disse:

- Fica na tua, xará! A vida é bem mais do que esse seu Toddynho gelado! Seu filho da puta, tu acha que eu bati a moto nesse teu carro da Barbie de propósito? Acha que eu ia fazer isso a toa? Seu babaca do caralho, eu ia pagar essa porra, mas agora eu vou é te meter o cacete até minha mão virar o Bob Esponja!

 E esse foi mais um dia, na vida de Ferdinando, o menino mimado da mamãe, que achava que era boladão, mas não passava de um babaca.

sábado, 6 de abril de 2013

Wilkinson, o dinossauro cibernético viciado em Fanta Uva

 Sábado, puta calor infernal, e ainda eram nove horas da manhã. Mercado tava mais cheio que o estádio do Borussia Dortmund em dia de jogo. Seja lá quem tenha sido o responsável por essa ideia de aniversário de supermercado, era um grande filho da puta que só queria ver o circo pegar fogo. As pessoas saíam até na porrada por uma lata de atum, uma caixa de creme de leite ou um vidro de azeitona. Parecia até campo de concentração. Nesse cenário muitíssimo amistoso e convidativo, a maioria das pessoas ao chegar na porta do supermercado, simplesmente daria de ombros e iria fazer suas compras em outro lugar. Mas um consumidor em especial era perseverante o suficiente pra adentrar aquela colméia humana nessas condições. Wilkinson precisava, de qualquer jeito, adentrar aquele mercado, e comprar aquilo que o fazia se sentir vivo: uma garrafa de Fanta Uva.

 Medindo alguns metros de altura, pesando algumas toneladas e balançando fios e placas de memória DDR3, Wilkinson entrou naquele mar de gente, focado apenas em sair de lá com sua garrafa de Fanta Uva. Algumas pessoas o empurravam, entre um saco de feijão e uma caixa de bombom, mas nada disso tiraria o foco de Wilkinson. Quando enfim chegou na parte dos refrigerantes, notou que havia apenas uma garrafa de seu líquido vital, sua famigerada Fanta Uva. Tentou se apressar, se espremendo entre tias gordas e crianças melequentas que furtavam pacotes de Cheetos, ia se deslocando rapidamente em direção ao seu objeto de desejo. Mas Lucicreide chegou mais rápido. Quando Wilkinson esticou seus braços biônicos para agarrar a garrafa, lá já estava a mão de Lucicreide, com dedos gordos como os de um urso polar, e unhas pintadas com um esmalte vagabundo em tom verde mendigo. Wilkinson sentiu um aperto em seu coração, pois não queria de modo algum perder aquela garrafa, a última garrafa. Foi quando Lucicreide olhou para o pobre cyberdino, com olhar de deboche, e gargalhando, disse:

- Perdeu preibói!

 Wilkinson, muito puto com a cena que protagonizava, tomou a garrafa da mão da mulher, que era quase tão grande quanto a sua, dada a amplitude física de Lucicreide. Respondeu ao desaforo da mulher com frieza e calma:

- Dona moça, me desculpa, mas eu preciso seriamente dessa porra aqui. Tá vendo esse mercado, cheio pra caralho? Então, eu entrei nessa bagaça unicamente pra comprar essa garrafa de Fanta Uva. A senhora sabe o que isso significa?

 Lucicreide respondeu, com desdém, enquanto puxava a garrafa das mãos de Wilkinson:

- Ô seu filho da puta, cê quer que eu chame o Roberval pra te dar uns tiros, quer? Ele é miliciano, tem conchavo com a PM, PE, Marinha, SWAT, SAS e os caralho a quatro. Tu tem disposição pra bater de frente com essa porra toda por causa de uma garrafa de Fanta Uva? Tem???

- Minha senhora - retrucou Wilkinson - eu sou um dinossauro cibernético. A senhora por acaso sabe que porra é essa?

 Nesse momento, todo o mercado já entrava em desespero, uma gritaria absurda podia ser ouvida até em Belford Roxo [que é longe pra caralho, diga-se de passagem], e no meio dessa confusão, Wilkinson pegou de volta a garrafa das mãos de Lucicreide.

- Ô seu babaca, tá achando que eu sou ignorante? Se tu é mesmo um dinossauro, e não um babaca fantasiado de lagartixa, como é que tu vai tomar Fanta Uva? Por acaso dinossauro toma refrigerante? Não fode porra, me dá essa garrafa aqui, ou eu chamo o Roberval. Aqui ó, vô pegar o Néquistel pra chamar ele, tu vai ver, ele vai comer teu cú com essa garrafa de Fanta, seu filho da puta. - disse a mulher, já suando como uma porca no deserto, exaltada, sacodindo suas bijuterias.

Wilkinson disparou um raio laser de seus olhos na mão da mulher, que caiu no chão, gritando igual uma piranha velha.

- Mulher, nunca diga a um dependente químico que a última garrafa de Fanta Uva do mercado não vai ser dele. Nunca, ouviu? - esbravejou o dino, enquanto saía do mercado com sua garrafa na mão.

 Essas coisas curiosas que acontecem em época de aninversário de supermercado...