terça-feira, 30 de abril de 2013

A Confraria dos Coroas

 Era uma casa antiga, azul, na esquina. Ali era a sede de uma confraria de velhos pinguços, viciados em jogos de azar, bilhar, futebol, feijoada e samba da antiga. Era conhecida como a Confraria dos Coroas. Boa parte dos velhos do bairro, aqueles já muito velhos pra erguerem suas bandeiras ao topo do mastro, mas não tão velhos a ponto de ficarem vegetando em uma cadeira de balanço, frequentavam o lugar. A entrada daquele lugar era, para eles, como um portal para tempos em que ainda eram jovens. Um tempo onde o rádio ainda era o senhor das novidades.

 O presidente da confraria era o senhor Prachedes, um velho obeso, parcialmete calvo, com um bigode de leão marinho no meio da cara, que parecia pintada com uma tinta irremovível na cor mau-humor eterno. Vivia de calça branca, sapato bicolor e camisas extravagantemente estampadas, daquelas que mais parecem papel de presente do que roupa. O Prachedes era um bom homem, e, ao contrário do que parecia, era muito bem humorado, embora sua cara de quem responde a um bom dia com um soco na cara afastasse as pessoas num primeiro julgamento. Era muito amigo de Teófilo, o responsável pelas feijoadas e pelo samba. Teófilo, conhecido como Tetê, era um tipo de velho putão que ainda acreditava que era o maior comedor do bairro. Magrelo, alto, e com mais cordões de prata do que vendedor do mercado livre, o velho Tetê fedia a perfume patchouli, tinha fala mansa e ainda andava cheio de estilo, embora as comparações com Zé Bonitinho fossem inevitáveis. Tinha também o Valdir, que era um coroa viciado em fumar maconha, cachimbo, e cigarro de alecrim. O Xavier era o cara mais feliz daquele lugar, já que era fodão no pôquer e na sueca, e de tanto ganhar dinheiro dos outros velhos nesses jogos, comprou uma casa em Miami.

 Em dia de jogo, o cara mais chato era o Tonico, um botafoguense que falava mais do Garrincha do que pastor fala de fé. Tonico era uma dessas viúvas do futebol bonito. Falava alto, com sua voz de pato rouco, e vivia bêbado. Tomava muita cachaça enquanto chupava tangerina, e o pobre diabo sempre tinha uma tangerina na mão. Tonico gostava muito de encher o saco do Afonso, um coroa que tinha perdido uma das pernas numa tentativa mal sucedida de suicídio. Afonso, apelidado de Deixa Que Eu Chuto, havia se jogado do prédio quando soube que sua esposa Zulmira, a Zuzu boca de veludo, era prostituta. Além de corno, perneta e suicída fracassado, Afonso era veterano da segunda guerra, torcia pro América, tinha uma filha vadia igual a mãe, era epilético e parecia com o Tim Maia. Afonso era um fodido de merda. Seu grande amigo era o Ruy, que tinha sido da Marinha, era cego de um olho, tinha dinheiro pra cacete, era dono de imobiliária e ficava o dia todo fumando charuto e ouvindo rádio.

 E todo sábado era dia de roda de samba e da feijoada do Teófilo, quando o Laurindo gogó de ouro dava um tostão de sua voz antiga no salão da confraria.

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