segunda-feira, 8 de abril de 2013

Entre a Razão e a Maluquice

 Arlindo era um trabalhador comum, com uma vida comum, uma casa comum, e um casamento nem tão comum assim. Trabalhava feito um filho de puta, numa transportadora de móveis. Tinha vencido um infarto, um câncer no fígado e um torneio de sinuca no bar da esquina. Arlindo era um cara sofrido. Amava sua mulher, incondicionalmente. Ela era seu porto seguro, seu motivo de continuar. Carregar todo aquele peso, se estressar no trânsito, aturar cliente chato, trabalhar debaixo do sol... nada disso importava. Quando chegava em casa, e via sua esposa, Arlindo sempre abria um sorriso, como se ganhasse uma recompensa. Sua mulher era um tanto instável. Gostava dele, mas nem sempre o tratava como se de fato gostasse. Apesar de adorar Arlindo, Eugênia era uma pessoa muito instável. Havia dias em que ela tratava o marido como um lorde. E dias em que o fazia de esparro. Pisava mais no pobre coitado do que aqueles garotos asiáticos que jogam Dance Dance Revolution pisam naquele controle em forma de tapete. Mas Arlindo a amava. Mesmo não sendo fácil, ele superava. Era um sujeito calmo, tranquilo. Ao menos tentava ser.

 Certo dia, foi ao banco, logo pela manhã. Iria pegar seu pagamento, pagar umas contas, e na volta pra casa, compraria o pão e o jornal. Chegando ao banco, se deparou com uma fila enorme. Mas isso não incomodava o pobre Arlindo. Foi então que o sujeito que estava logo a sua frente na fila, comentou algo com ele, sobre como essa vida era uma merda. Contou a Arlindo que havia se aposentado por invalidez aos vinte e dois anos de idade. Puxava a perna, sequela de um acidente de trabalho. Casou com uma mulher que o largou três anos depois, com um filho pequeno pra criar sozinho. Havia sofrido um derrame, e por consequência, perdeu a visão de um dos olhos. Fazia piada de sua própria desgraça, referindo a si mesmo como o cú cagado da humanidade. Perguntou a Arlindo sobre sua vida, e se ele tinha uma vida boa.

 - Tenho um emprego, que não é dos melhores, mas não tenho do que reclamar. Sou casado com a melhor mulher do mundo, e mesmo nos dias em que ela me trata como merda, sou feliz. Ela é tudo o que tenho nessa vida, e tudo o que vale a pena se ter.

 O homem ouviu o que Arlindo dizia, e fazia cara de espanto. Arlindo parecia um homem realmente feliz. Parecia ser daqueles caras calejados de porrada da vida, mas que ainda encontrava motivo pra sorrir, seja lá em que circunstância.

 - Porra, você é um cara de sorte - disse o homem. - Mas me explica uma coisa, que papo é esse de que tua mulher te trata como merda em alguns dias? É aquela porra de TPM?

 - Não - respondeu Arlindo. - não é TPM. Minha esposa é bipolar, eu acho. Em um dia, ela me trata tão bem, que parece que eu sou a pessoa mais importante do mundo. No outro, me trata mal, é grossa, faz pouco de mim, me despreza... mas eu a amo. Sabe, não é fácil, eu admito. Mas vale a pena.

 O homem franziu a testa, olhou para Arlindo com seu único olho funcional. Balbuciou algo em tom baixo.

 - Eu não aguentaria essa porra, cara. Não mesmo. Mulher maluca essa sua, com todo o respeito. Pelo que parece, tu é um cara do bem, bom sujeito. Não merece ser escravo do humor dela. Pensa bem, será que ela é bipolar mesmo, ou é só piroca das ideias? Tem muito disso por aí, cara.

 - Você não entende - retrucou Arlindo. - eu a amo.

 O homem abriu um sorriso, e disse a Arlindo:

 - Eu não sei se você é maluco, ou se eu sou.

 Arlindo se calou por três segundos. A fila andou um pouco mais. Pensou na mulher, no dia a dia. Pensou no trabalho, e em todo o resto. Só então tornou a responder ao homem.

 - De fato, você está um tanto quanto certo. Eu sou um psicólogo formado. Estudei fora do país. Conheci a Eugênia quando ela veio se consultar comigo. Logo me apaixonei por aquela mulher. Sabia que ela tinha um problema, mas era apenas um problema. E eu decidi que se não pudesse ajudar a mulher que amo, não poderia ajudar a mais ninguém. Abandonei o consultório e a vida de psicólogo. Passei a ter um emprego comum, uma vida comum. Casei com a Eugênia. Sou feliz com ela, e faço o melhor que posso a cada dia, para que ela seja feliz também. Talvez, o louco seja eu, que conscientemente, fiz essas escolhas.

 O homem pôs uma das mãos no ombro de Arlindo, e disse:

 - É, meu amigo. E eu aqui, reclamando, e dizendo que a minha vida era uma merda...

Um comentário:

  1. Arlindo tem cara de Adalberto, não sei dizer o por quê.
    E gostei muito do conto, a escravidão emocional maldita e o cú cagado do mundo.

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